Eu sempre gostei do mar. Desde menino sonhava em ser marinheiro, ou pirata, ou só um menino num barquinho, até de papel, na imensidão azul. Até crescer e descobrir que não era que nem nos desenhos que passavam na Nickelodeon, e nem nos filmes de Piratas do Caribe que eram exibidos no cinema, e também que o papel não agüentava o meu peso, e que as ondas me derrubariam fácil, junto com minha embarcação de papelão.
É engraçado você olhar pra aquele monte de água e pensar que aquilo ali vai até o outro lado do Atlântico, na beira da Europa, da África, desaguando no leito dos países desenvolvidos, nos subdesenvolvidos, nos em desenvolvimento... É a prova de que Deus não imaginou o mundo dessa forma, desigual do jeito que é. A maré que vem e volta, à favor da Lua e sua vontade, poderosa, lá do céu ditando as regras pra nós, e tudo o que fazemos é admirar. Sempre foi ao mar que eu fiz as minhas declarações. Sempre foi a ele que eu confidenciei os meus versos e as minhas prosas, e papeis e lágrimas também. O mar é o meu fascínio; é o meu leito de enfermo e o meu caixão. E não há nesse mundo uma alma viva pra me convencer do contrário.
Hoje em dia marinheiro já não ganha mais bem. Os piratas há muito sumiram do oceano, e as embarcações hoje são todas de madeira ou metal – o que for dar mais lucro. Hoje em dia se você nada pelado numa praia, mesmo deserta, te chamam de maluco, de adoidado, que não bate bem das idéias, sem juízo. Já se foram os tempos em que pular no riachão com a bunda de fora nos interiores era normal pra se refrescar – ou pelo menos é isso que o povo da cidade pensa, e o povo da cidade pensa tanta coisa... Tem tanta gente por aí que nunca sentiu o bigulinho livre na água uma vez na vida, tanta gente que nunca deixou os seios boiarem fartos pela água e sentir o sal te levar ao êxtase, e nadar sem preocupação, sem se importar que alguém te veja, porque se ver, o que é que há? Não é assim que nós somos no banheiro, escondidos, com vergonha do próprio corpo? O que é um banheiro se não um refúgio pra a própria vergonha? E não é culpa de Adão e Eva só por terem provado do fruto proibido, porque quem tem vergonha o come todo o dia na sobremesa, depois do almoço, a hora que for, quando dá vontade. Hoje em dia, pra quem tem vergonha mostrar o próprio corpo virou atentado ao pudor, seja lá o que signifique isso.
Mas o mar? O mar não liga pra essas coisas. O mar te acolhe ou te afoga, independente da roupa que você tem no corpo, ou se não há roupa nenhuma, ou se você é branco, ou se é preto, ou se é feijão. Taí, mais uma prova de que Deus não imaginou esse mundo desigual, do jeito que é: imaginou certinho, e fomos nós que nos desvirtuamos, que criamos paradigmas e palavras complicadas para destacar os que se dizem intelectuais. Deve ser por isso que eu gosto tanto de azul, mesmo que agora as minhas idéias sejam marrons. Porque é olhando para o infinito azul de um toco de árvore à beira da praia, eu vejo tudo que já passou por dentro da correnteza do meu mar, e me ponho a imaginar tudo o que ainda virá a passar. As embarcações que ainda virão a atracar, o novo mundo que ainda se há pra descobrir, e todas as cores que ainda virão a surgir. Sejam elas verdes, azuis, amarelas ou vermelhas. E a certeza do marrom que me aguarda no final da jornada que deixa tudo ainda mais belo. O mar é a minha amante. É nele que eu me perco e me deixo afundar. É nele que eu me abraço, beijo e faço cafuné. É nele que eu me delicio e vejo junto o pôr do sol, aprendendo as lições de vida que só ele poderia me ensinar. E sorrio. E me jogo no mar, e o abraço, e o beijo cheio de paixão. Como diriam os Waterboys: "that was the river, This is the Sea.”

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