domingo, 17 de julho de 2011

Álcool e Cigarros, I

"Soa tão estranho, e ao mesmo tempo tão familiar. O acréscimo da substância misteriosa no organismo, do Elemento X, da fonte dos superpoderes e da Kriptonita. É água dos bêbados, a fonte dos desvairados, sem juízo. É o mar pros apaixonados, e a sina pros desempregados. A ressaca dos pobres de espírito e a sequela de quem se acostuma: amigo pra todas as horas; que é o espírito na hora da festa, e o consolo quando se fica na merda. E que nunca nos abandona, porque amizade de verdade é assim mesmo, contanto que tenha-se as 30 pratas para a próxima garrafa de Orloff, ou um mísero real para um maldito príncipe maluco, sentado na sarjeta imunda, ou na calçada melada de vômito."
"E tu, Rei da Fumaça, o que posso dizer de ti? As toxinas que me adentram o organismo, o relaxe que causa nos músculos, a calma que vem junto e o câncer que vem depois. A utopia de ser dragão e que se realiza no seu leito, no seu beijo e no cheiro de enxofre. A dor de cabeça dos pais de família, e ainda assim o motivo de sua separação. Que és generoso ao se vender em maços, pois nos poupa o trabalho de ir e voltar, e ainda se mostra direito quando se fala em qualidade, pois se importam em nos dar diversidade misturadas no meio da Eva Verde! Ó fumaça! Tu, que és de tão graciosa graça! Me chape como o ferro quente chapa a roupa que deve ser passada, me alucine como a poesia deveria ter me alucinado enquanto eu ainda não era uma uva-passa! E me dance, e me gire, e me faça o teu amante, como nenhum outro jamais terá o prazer de ser, até que você mesma nos separe, em um beijo, na baforada."
"E vocês dois, que me bebem e que me fumam, gole à gole, segundo à segundo. Em cada bar, em cada festa, em cada ruela de cada favela. Lembrem de mim ainda dentro do meu túmulo, pois estão nos meus órgãos e na minha mente. Atrapalhando as sinapses nervosas que deveriam me trazer o prazer, ou o descanso eterno que me deveria ser dado após à morte. Mas afinal, como hei de viver depois de morto, sem um cigarro entre meus dedos e sem o álcool nas minhas veias? Ser fantasma vai ser mesmo é uma merda só, sem poder tocar em nada, e nem puxar unzinho sequer. Sem poder respirar e sentir o cheiro da fumaça, nem andar torto sentindo a tonteira da embriaguez. Peço a vocês, não me abandonem após à morte, meus amigos de confiança. Deixem-me lhes usar, lhes abusar, como tenho feito a vida inteira. Como faria a vida que teria sido inteira, e que se tornou meia, mas que meia assim, poderia voltar a ser inteira sem a companhia de vocês, como há muito eu não tenho coragem de tentar. Em desespero, eu lhes peço, não me abandonem! Não me deixem viver sem vocês! Vocês não me ensinaram essa parte da vida, essa parte da morte, essa parte da vida pós-morte, então por favor, não me deixem. Nunca, nunca... nunca... (...)"

Prefácio de "O Inferno de Rum" de Thiago Corneio

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