Não sei se me faço por entender, ou se estou em mais um devaneio louco no meio do mar. Não sei se faço sentido ou se me encontro agora sem sentidos, desacordado, pelo mundo do meu quarto, numa avenida serpeante e assustadora, que nem mais é estrada. Não sei se estou ancorado ou se estou ao mar aberto, não sei se estamos em março ou se já é dezembro, não sei se é mesmo o Rio que eu quero ou se me basta Salvador. Salvador, me salva à dor de te perder! Me salva à angustia de ficar! Me salva a dúvida, por ter dúvida, Salvador, ó Salvador!
Não sei se me faço por entender, mas isso é o mais perto que consigo. A distancia tem me protegido ao longo dos últimos meses. Tem me mimado, me dado carinho, me feito crescer até aonde ela pudesse deixar, até onde eu pudesse me esticar sem soltar a sua mão, me libertando ao mesmo tempo em que me prende, sem me deixar sair dos seus braços para o mundo, para o que há lá fora e que eu sei, me espera. Em cada esquina, em cada avenida escura e tortuosa, em cada abismo sem fim a vida me espera, e lá há sempre uma nova surpresa, um novo desafio, um novo pedaço de terra não explorado, um novo porém que eu não consigo me esticar para agarrar, porque a distancia me prende e eu, mais uma vez, concedo.
Mas eu sei que não é assim que funciona. A vida não te mima, não te acaricia antes de dar umas belas porradas na cabeça, não te faz crescer sem entender a dor que isso pode ser, porque afinal, ninguém escolhe crescer. Em cada corredor escuro os lapsos da realidade me atingem, me forçam a enxergar, me fazem impotente diante sexualidade que me pornógrafa, que me masturba insistentemente, mas que não consegue atingir o orgasmo, talvez por incompetência, talvez por imprudência ou por causa de cigarros. Por álcool e cigarros.
E no meio disso tudo, nem mais mesmo Harry Potter conseguiria se manter isento, indiferente, firme como sempre foi. Porque todo mundo pode se dar ao luxo de fraquejar, de cair, chorar e lamentar pelos feridos, pra só depois poder se reerguer, mais firme, mais forte, pronto pra a batalha final, sem mais se intimidar pelo mal que há na sua frente, mesmo que por dentro o medo seja imenso, fulminante, incontrolável e ainda assim amansado. Porque se coragem é a palavra que define tudo, o medo é não o seu correspondente o oposto, mas sim seu irmão. Porque ter coragem afinal de contas é isso: é ter medo, e encará-lo de frente. É olhar nos olhos da fera, é fitá-lo como o adversário poderoso que é, e ir na sua direção sem pernas-bambas, pronto para viver e clamar vitória ou morrer com dignidade. É encarar os domingos, os sábados, as segundas-feiras e todos os dias que sejam. É olhar para o futuro e ver o Cristo Redentor na minha frente, ou observar mais uma vez o Elevador Lacerda no alto. É lembrar do passado com carinho, e viver o presente determinado. É escrever num caderno de couro palavras singelas, e logo depois digitá-las sem medo de perder nelas a magia. É fazer o que agora eu tenho feito e ainda mais, para que depois o sol nasça de novo, e mais uma vez brilhem os meus olhos, como sempre brilharam desde o primeiro momento.
E é bem verdade, que tudo isso eu ainda não consegui trazer pra mim. É bem verdade que a distancia ainda me protege, ainda me liberta e muito mais que ainda me limita. E é bem verdade que eu preciso disso ainda, e mais ainda que até que eu não precise eu ainda tenho muito a fazer. Mas o ano ainda não acabou. As provas finais se aproximam e a recuperação ameaça me tirar tempo, e nada disso tem nada a ver com escola, notas e coisa e tal. É bem verdade que eu preciso desse tempo para me recompor, para transcender as linhas imaginárias que me prendem, para romper com o destino e mais uma vez encontrar-me com Deus, seja ele quem for. Seja a minha consciência, um ser onisciente ou simplesmente eu. Eu preciso me encontrar. Sejam nas estrelas brilhando no céu ou em plutão que me finaliza. Que me mata. Que me faz ir ereto de encontro ao destino, ao desafio, aos olhos cintilantes da serpente que me oscila. Que me muda e me faz ser finalmente
Eu.
"Mas ele finalmente entendeu o que Dumbledore estivera tentando lhe dizer. Era, pensou Harry, a diferença entre ser arrastado para a arena e enfrentar uma luta mortal e entrar de cabeça erguida. Alguns diriam, talvez, que a escolha era mínima, mas Dumbledore sabia - e eu também, pensou Harry com súbito orgulho, bem como meus pais - que aí residia toda a diferença do mundo."
"Coragem."
- Tirado de Harry Potter e o Enigma do Príncipe, Capítulo 23, Página 402, Segundo parágrafo.
Estva lendo esse livro essa semana. Parei nesse mesmo trecho pra pensar. Belas palavras, senhor, belas palavras.
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