"Eu havia me distanciado de onde estava havendo a festa. Para mim era impossível entrar naquela onda. A minha onda é outra. Meus limites são álcool e cigarros, e nada mais. Fora maconha, fora ácido, fora LSD e outra que for. Eu tenho o que eu acredito, e isso eu consigo distinguir diante da visão turva que seja, diante da tonteira e da consciência que se apodera de mim. Eu não me engano. Sei até aonde dá pra ir."
"Evitei me demorar demais ali. Não queria que me perguntassem aonde eu estava, nem porque de ter demorado pra coltar pra a festa. Vivia ali, no escuro e na pressa ao lado da piscina outrora suja as minhas lembranças, os meus devaneios, os restos de loucura que ainda se apoderam de mim, e que se misturam como que por osmose ás substancias que me adentraram ao corpo. Minhas pernas bambeavam. Eu andava torto em direção ao muro que se punha á minha frente. Do outro lado crianças brincavam de esconde-esconde enquanto uma delas tentava argumentar um mal-batido 'salve-todos'. Desejei no íntimo fazer parte da brincadeira, mas pulei o muro e me dirigi de volta á festa á qual havia sumido. Já não queria também me demorar mais ali."
"No caminho, fui tratando de observar: a grama, as casas, as crianças que já haviam voltado a brincar. Sentia nos meus passos os instantes que havia deixado atrás, e tratava de olhar pra frente tentando não perder o foco. Desci a escada, atravessei o resto do gramado que faltava para chegar á porta da casa. A festa se concentrava lá dentro - fora estavam as lembranças dos tempos passados. Respirei fundo e dei uma última olhada no cenário familiar. Observei a linha que dividia a porta de entrada do exterior ao qual me encontrava. Que dividia a nova realidade de um tempo que já passou. Que dividia a minha alma em dois: na vontade de continuar, de seguir reto, de caminhar e não olhar pra trás; e na vontade de voltar e ficar mais um pouquinho, de pedir ao maquinista pra dar marcha ré, mesmo sabendo que trem nenhum anda pra trás. Observei o céu. Poucas estrelas brilhavam devido ás luzes da cidade grande. Fora dali era tudo muito mais simples, com mais estrelas no céu, com mais peixes no mar. Quisera eu que a vida na cidade fosse mais simples, menos corrida, menos atrapalhada. Com um pouco menos de responsabilidade e sem a necessidade de um litro de cachaça pra acompanhar. Olhei novamente o cenário ao meu redor. As meninas haviam parado de brincar de esconde-esconde e haviam ido para suas casas e para seus pais. Não adiantava se esconder. Adentrei a divisória da porta e amanheci no dia seguinte no chão, ao lado de um sofá e com o pé direito doendo."
- Tirado de "O Inferno de Rum" de Thiago Corneio
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