sábado, 9 de junho de 2012

Lírios

Acho que mais uma vez, eu posso dizer que amadureci. Porque o verão foi intenso, e o sol estava forte lá fora. Porque dessa vez a realidade bateu com força, e porque demora também algum tempo pra que a gente aprenda a revidar. Chega o momento em que não tem como fugir, não tem como se esconder, não tem como continuar mentindo pra si mesmo, e em que é necessário lutar para sobreviver. Chega o momento em que simplesmente não cabe mais ser criança. Em que simplesmente é hora de crescer, e encarar toda a miséria que tem na nossa frente, e que não dá mais pra desviar mais o olhar e negar que eu também faço parte dela. Em que é necessário encarar toda a sujeira, hipocrisia e maldade que existe dentro de você, e deixar que ela simplesmente tome conta de você. Porque é uma parte que não dá pra renegar de si próprio. Que não dá expulsar nem repelir. Porque simplesmente é você. E não há nada que se possa fazer quanto à isso.
E tudo pra isso, de um jeito ou de outro sempre acaba se mostrando no Verão. Expondo os meus pontos fracos, me deixando lento e vulnerável á qualquer um, e principalmente de mim. É o momento em que se expõe toda a minha confusão, toda a minha fraqueza, e a minha incapacidade de lidar com os meus próprios problemas. O momento em que eu costumava sempre me esconder e deixar o sol bater em mim. Inerte à minha própria vontade, com medo dos meus próprios punhos, dos próprios pensamentos que eu não queria ter de pensar, só esperando e rezando para que passasse. Até que viesse uma chuva refrescar meus dias.
Mas dessa vez eu fiz com que fosse diferente. Dessa vez eu lutei. Contra os demônios na minha própria cabeça e comigo mesmo. Caminhei no lado selvagem, como o Lou Reed diria, e mais do que isso: corri por ele. Não como quem anseia por chegar ao fim, mas como quem não teme velocidade do vento que bate à testa. Ou como quem teme, e tem coragem ainda assim de enfrentá-lo da mesma forma. E esse é o meu maior mérito que eu consegui conquistar nos últimos tempos. Coragem. Para lidar com os meus maiores medos. Para lidar com o desconhecido, e a incerteza que o tempo me trouxe. Para lutar contra a correria incansável que eu nunca pedi, e contra a corrente que eu nunca fui a favor. Coragem para lutar com todos á minha volta, e o mais difícil: Coragem para lutar comigo mesmo.
O verão nunca queimou tão forte, e eu tenho certeza de que foi só o inicio. Porque agora eu sei do desafio que eu tenho á minha frente, e sei o qual imensamente mais difícil vai ser encarar ele. Porque por mais que eu tenha tomado essa luta para mim, a verdade é que eu à roubei mesmo de outra pessoa. Porque eu estava muito acostumado á viver na minha própria cúpula, onde tudo era perfeito, e acabei me esquecendo da crueldade que existe aí fora. Acabei me esquecendo de como as ruas de Salvador são vermelhas, e de quão sangrenta a realidade pode ser. E acabou que quem me lembrou disso foi uma velha amiga. Tão velha quanto o tempo pode se lembrar, e mais corajosa do que qualquer um que eu consiga me lembrar. Foi nas palavras dela que eu vi novamente isso, e foi graças a ela que eu consegui entender toda essa confusão que havia dentro das minhas certezas. Foi dali que eu tirei a minha força, que só estava escondida nos dedos, esse tempo todo. A essa amiga agora eu tenho que agradecer, de todo o coração. Porque se hoje eu estou escrevendo isso, é graças á você, assim como foi graças a você também que há pouco mais de um ano atrás eu pude escrever o que escrevi, e te mandar junto com flores, e um cartão postal.
Só que acontece que chegou a hora em que isso só não se tornou o bastante. Chegou o momento em que eu tenho que criar novamente as minhas próprias asas, e encontrar novamente o meu próprio caminho. Abraçar a minha própria luta, e vencê-la eu mesmo. E tirar dessa vez força das minhas próprias palavras, da minha própria voz e, sobretudo, dos meus atos. Seja pra me perder, seja pra me encontrar. Eu sei que agora eu preciso abrir a minha própria trilha, e que eu preciso fazer isso sozinho. Do meu próprio jeito, e sem seguir os passos de ninguém.
Eu sei que daqui pra frente tudo vai ser diferente. Sei que mais uma vez tudo vai mudar, e eu estou pronto para isso. Porque afinal de contas, o verão acabou. E mesmo que isso não signifique que é hora de parar de lutar, porque nunca é hora disso, no mínimo prova que agora vai ser diferente. Porque agora eu entendi o que vinha me faltando esse tempo todo. Que eu passei tanto tempo me preocupando com a realidade que por mais que um segundo eu me esqueci. Que é verde e tem pernas que nem gafanhoto, e que salta fora se a gente não souber como carregar: Esperança.
Porque em cada chuva, em cada orvalho eu consigo sentir. Porque é substancial na atmosfera, e ainda mais dentro de nós mesmos. Que é púrpura e a gente não vê, mas está ali, e nós sabemos disso. Porque a gente pode se perder, quantas vezes que sejam, mas não podemos nunca perder a esperança, como eu quase perdi. E é necessário, mais uma vez, coragem para mantê-la acesa em tempos tão difíceis. E é necessária força para mante-la viva apesar de tudo, e olhar pra frente e ver tudo de ruim que existe por ai, e ainda assim, num cantinho isolado, encontrar um motivo pra sorrir. Encontrar um motivo pelo qual continuar a lutar, e pelo qual continuar a viver. Encontrar um romance pelo qual ainda se possa sonhar, ou os amigos que sonha em ver novamente. É isso, afinal. É o amor, e toda a sua circunspectância que só ele tem. É a flor de Guernica. É o nascimento no meio de uma guerra. É uma flor no meio do nada. E principalmente, são Lírios numa caixa de sapatos.
E mesmo que eu tenha deixado essa caixa nas mãos de outro alguém esse tempo inteiro, com tudo de mais valioso que eu já tive na vida, e uma mensagem que eu fiz de tudo para que não fosse nunca esquecida, eu não posso nunca esquecer da mensagem que chegou de volta. Que eu não guardo no meu piano, nem em caixa alguma ou em lugar algum, mas dentro de mim mesmo. Que flui nas minhas veias e me dá novamente força para encarar o desafio que eu tenho agora na minha frente. Sem fraquejar. Sem demonstrar medo. Porque a verdade é que ás vezes a maior coragem que nós temos que ter, é para ter esperança. Para ver o bem e o mal de perto, e andar no meio deles. Sem tropeçar, sem escorregar. Sem esquecer do que nos trouxe até aqui, nem de tudo o que a partir de agora temos que enfrentar. Porque a partir de agora é que eu sigo novamente com o meu próprio caminho, e endireito a minha trilha para fazer a curva. Para seguir, e ajustar a luneta para o horizonte. Para o mar. Para as luzes da cidade que ainda não consigo enxergar daqui. Para o lugar que mais me fez falta, durante todo esse tempo, e que eu ainda não estou preparado para voltar. Mas que estarei, e que quando voltar, vou fazer com que as más línguas se calem, mesmo sendo uma delas minha também. Vou fazer com que se veja que o amor de verdade existe, sim, e não há nada que se possa fazer quanto à isso. Porque está dentro de nós. Porque vive em nossa circulação sanguínea, e nos mantém vivos, e com força para lutar. Vou fazer com que se veja que ainda há esperança, que ainda há felicidade, e amor debaixo do travesseiro. Mas acima de tudo, vou fazer com que se veja que ainda há flores por perto. E que ninguém pode tirá-las daqui, e que ninguém é capaz de feri-las. Porque são belas, e porque são meus. E acima de tudo, porque são Lírios.

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