Eu me sinto bem. Sinto como se as águas que começaram em março tivessem me lavado a alma e me limpado de dentro pra fora, de um jeito que ninguém mais saberia fazer. Sinto como se a promessa que agora jaz em meu coração não pudesse ter mais vida, e como se a morte estivesse tão longe quanto os tempos em que eu deixei de beijar, uma última vez a sua face. A água, que me amedrontou durante todos esses anos, nunca pareceu tão tentadora, e ao mesmo tempo, tão intoxicante.
Eu ouço as notas que lentamente saem do meu piano, e rápido brinco com as cordas que me saem o braço. Aos meus olhos de água e sal, este dia verde é primeiro do resto de nossas vidas, e ao final das contas, um banho de chuva nunca fez tão bem a ninguém.
É meio patético, na verdade. Há dias que eu espero por uma chuva, um chuvisco que fosse pra poder escrever tanto, mas agora que veio, nem sei mais o que escrever. Vejam só! Sentado numa cafeteria, com um casaco de flanela e pinta de intelectual, e só o que consigo dizer é que é bonito.
É bonito. Muito mais do que tudo que nos dias negros que passaram eu poderia me permitir imaginar. É bonito, e é muito mais, é lindo. E muito mais, é meu. Na cadência do que um dia já foi samba, na guitarra do que queria ser rock, no clipe sem nexo e no terror retrocesso, entre cordas e teclas finalmente saem a música que eu deixei pra compor amanhã, e tudo o que eu consigo dizer é que é bonita.
Tem uma caixa que eu tinha guardada há muito tempo, e que eu nunca mais vou abrir. A vida, espera por mim, e eu nem sei em que esquina ela vai me beijar. Porque no lírio que eu comprei, e no copo de chocolate quente que eu não terminei de beber, me encontrou, vestida de cetim, e no beijo, provar o gosto estranho que eu quero e só desejo, eu te amo, vida. Te amo tanto, e nem desconfias. Te adoro tanto e nem percebe o jogo que me faz, e a morte que te trouxe, e o amor que lhe tenho. Bonita.
Na voz e nos teus cabelos, nas unhas e no seu queixo, na roupa de cetim que de gozada se faz usar e nos olhos que ainda nem sei a cor de cór, e que me matam feito basilisco, que vê a presa e a encara de frente, só pelo tempo suficiente para que a mesma se apaixone, e morra contente, no leito do teu olhar, e tudo o que consigue dizer à beira da morte (ou da vida) é: é bonita.

São as águas de março fechando o verão, é a promessa de vida no teu coração.
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